sábado, 18 de junho de 2011

Basta-me um cordel!

Pouco passava das 6 horas da manhã, fui acordado pelo ruído ao longe, de uma máquina agrícola.
Parece-me uma enfardadeira, pensei...
Enfardadeira, é uma máquina que atrelada a um tractor, percorre o campo que antes esteve semeado com um cereal, o qual foi previamente ceifado, debulhado e ajuntado e o compacta num bloco paralelipipédico a que vulgarmente se dá a designação de fardo de palha.
Levantei-me após algumas espreguiçadelas, desjejuei e saí para o campo. O ruído ritmado da enfardadeira continuava a chegar-me, trazido pelo vento.
A minha curiosidade, levou-me a seguir no sentido de onde me chegava o som da enfardadeira. Após ter transposto 2 cabeços, lá estava. Num terreno plano, máquina e homem, completavam uma tarefa que tem perdurado ao longo dos anos. Continuei a percorrer os campos até chegar ao local. Era o terreno do Manel Zacarias.
-Bom dia patrão, lançou-me ele.
-Bom dia sô Manel, retribui.
-Então anda a passear?
-É verdade sô Manel, ouvi a máquina e vim até aqui... precisa de ajuda?
Riu-se e respondeu-me; Então se quer, pegue aí nessa forquilha e ajude a ajuntar a palha, sabe que isto como está, não se pode perder nada. E este ano como há mais, o preço vai baixar... No aproveitar é que está o ganho!
Eis uma boa lição de economia, pensei... "no aproveitar é que está o ganho"... e é tanto aquilo que desaproveitamos, queixando-nos em seguida, que o dinheiro não chega para nada, que está tudo caríssimo, etc. etc.
Depois de enfardar, foi preciso empilhar os fardos. O processo obedece a uma regra: Os fardos são colocados uns em cima dos outros, aos pares, mas entre eles, tem de ficar um espaço aberto, por forma a que o ar circule livremente e a palha não corra o risco de apodrecer.
Eu de um lado e o sô Manel do outro, lá fomos pegando e empilhando os fardos, formando torres de 4 andares.
É fantástico como o trabalho em equipe pode ser gratificante, apesar de duro. Passado pouco tempo, entre conversa e dicas que o sô Manel me foi oferecendo, em troca da força que lhe fui oferecendo, notei que já havíamos empilhado duzentos e tal fardos.
Era meio-dia, hora que dita a obrigatoriedade de abandonar o trabalho e chegar-se à mesa. O corpo tem religiosamente de ser alimentado, afirma o sô Manel.
E eu, entre risadas, devolvo-lhe; pois... e eu tenho de ir pôr um cinto, esqueci-me, e tenho passado a manhã a puxar as calças para cima.
O sô Manel, depois de uma enorme gargalhada, tira um cordel do bolso e diz-me: Ó homem, já podia ter dito, "andamaí com as calças na mão há um ror de tempo sem necessidade"... tome lá este cordel e ate as calças com ele... olhe que a pior coisa que pode acontecer a um homem, é andar com as calças na mão.
E ria-se "que nem um perdido" enquanto me explicava a forma simples de segurar as calças com um pedaço de cordel!
Despedimo-nos, disse-me que agora a palha ía ficar enfardada, na terra, até aparecer comprador, se não aparecesse ninguém, voltava lá com o tractor e guardava tudo no palheiro.
Voltei para casa, depois de dar um forte aperto de mão ao sô Manel, que me agradeceu a ajuda, quando era eu que lhe devia pela conversa e pelo trabalho que me proporcionou.
Quando voltava a casa, atravessando de novo os mesmos campos, reflectia nas palavras do sô Manel «a pior coisa que pode acontecer a um homem, é andar com as calças na mão».
Efectivamente... não há nada pior para um homem... e afinal, a solução para que não se ande com as calças na mão, reside num simples cordel... um cordel que serve para atar, para segurar, para unir, para criar cumplicidade e sustentabilidade.
Muito obrigado sô Manel... pelo cordel que me ofereceu!

6 comentários:

Olinda Melo disse...

Até que enfim, homem avaro! A privar-nos assim dos teus escritos, das tuas prosas, da tua poesia, durante tanto tempo!
:)
Bartolomeu, este é dos temas que me dão logo que pensar pois traduz aquilo que há de mais simples em nós, logo, fundamental.Contudo, temos sempre a tendência para complicar tudo quando, um simples 'cordel', um gesto, um abraço, um sorriso, poderiam fazer-nos saltar os maiores obstáculos. Utópico, isto? Também a utopia e o sonho, fazem parte da vida.E acredito que é nos momentos mais difíceis que aparecem seres, armados de uma sã e utópica loucura a fazer milagres. No nosso 'cinismo' talvez nos armemos, nós, com uma lanterna acesa em pleno dia, tal Diógenes, à procura do tal homem (ou mulher, os tempos são outros) capaz de empurrar o pedregulho de Sísifo. Lembremo-nos, como bem focas no teu texto,que temos uma tarefa a desempenhar que é ajudar para que as coisas aconteçam.

Grande abraço.

Olinda

Bartolomeu disse...

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Utupia, minha Amiga Olinda... tem sido o motor que tem movido este povo ungido. Não foi somente o Infante, homem de fé e de conhecimentos...cósmicos, mas também muitos outros, que nasceram na terra e com a terra aprenderam que a obra nasce do querer de Deus completada pela pelo sonho do Homem. Sem o querer divino, de nada servirá a vontade do Homem e vice-versa. Só da união, da complementaridade das duas, se poderá cumprir Portugal!
;)

Miguel Afonso disse...

E a enfardadeira chamava ao trabalho... muito interessante texto, sem dúvida.

Bartolomeu disse...

Olá Miguel!
Pois é... neste caso foi o som da enfardadeira, a máquina que torna o trabalho do homem menos pesado mas, na verdade, é a solideriedade humana que atrai as vontades e gera o trabalho produtivo.
Agradeço-te o comentário!

Olinda Melo disse...

Olá, Bartolomeu

Venho agradecer o poema que deixaste no teu comentário ao 'Olhar o Sol'. Uma réplica lindíssima!Na minha resposta ao comentário dizia que um dia destes vou postá-la no meu blog, se não te importares.

Um bom sábado.
:)

Abraço

Olinda

Bartolomeu disse...

Minha Amiga Olinda, não me agradeças o prazer de comentar no teu blog, os teus excelentes post's.
;)